Energia eólica: estudos lançados em Natal apontam impactos socioambientais e também soluções

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O Rio Grande do Norte é o Estado brasileiro com maior capacidade instalada de geração elétrica por fonte eólica. São 9.452.536 kW distribuídos entre 384 empreendimentos, o correspondente a 31,9% de todas as outorgas implantadas no País pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Mostrar que é possível  continuar se destacando na  transição energética, mas com menos impactos sociais e ambientais, é o objetivo de uma série de encontros e debates programados para ocorrerem em Natal de 19 a 22 de março.

Nesses quatro dias, representantes de comunidades afetadas estão entregando a órgãos do Governo Federal, Estadual, instituições de pesquisa, de licenciamento ambiental e a integrantes dos poderes legislativo e judiciário o estudo Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, que traz mais de 100 sugestões de como essa transição energética ocorra de forma justa, popular, inclusiva e sustentável. E ainda a Cartografia Social do Mar, dos Territórios do Mato Grande, Açu-Mossoró, Seridó e as Propostas de Unidades de Conservação para a região Central e Seridó.

O estudo é resultado de uma construção coletiva de medidas de mitigação propostas por mais de 30 entidades – a maioria de povos e de populações tradicionais do Nordeste. “A expansão de renováveis tem intensificado conflitos territoriais, gerado ameaças à biodiversidade, agravado injustiças e danos socioambientais aos povos do campo, da floresta, das águas e aos seus ecossistemas”, traz a introdução do relatório.


“Esta é uma oportunidade de aprofundar o debate sobre os impactos das energias renováveis no Rio Grande do Norte e permitir que as comunidades atingidas, especialmente as pesqueiras, possam apresentar sua dor, sua angústia e os desafios enfrentados para manter seu modo de vida”, avalia João Paulo Diogo, do Coletivo de Assessoria Cirandas, que atua em defesa dos direitos de comunidades tradicionais e participou da elaboração do relatório.

Para João Paulo, a agenda desta semana é uma oportunidade de aprofundar o debate sobre os impactos dos parques eólicos no Rio Grande do Norte. “É necessário um  esforço conjunto do poder público, do poder judiciário e das empresas  para pensar uma forma de oferecer energia que respeite o meio ambiente e as pessoas que nele vivem”, opina.

Outra entidade que integrou a equipe de produção do documento, o Seridó Vivo, atua no Sertão do Rio Grande do Norte e da Paraíba, onde parques eólicos transformam paisagens e vidas. “Desmatamento, perda de biodiversidade, perda de territórios tradicionais, doenças mentais e perturbação do sossego, afluxo de populações externas, mudanças bruscas na paisagem, perda do patrimônio cultural”, exemplifica Joadson Vagner Silva, membro da ONG.


“O Rio Grande do Norte é pioneiro em implantação de parques de energia eólica no Brasil e agora tem a oportunidade de liderar também uma transição energética que garanta o direito das populações rurais, dos pescadores, dos povos tradicionais e a conservação ambiental”, afirma a coordenadora de Articulação do Plano Nordeste Potência, Fabiana Couto. Ela destaca que a iniciativa não é contrária à energia renovável. “Acreditamos que as fontes solares e eólicas são melhores que os combustíveis fósseis, mas devem ser utilizadas com respeito ao meio ambiente e às pessoas.” 

OS ESTUDOS

Cartografia Social do Mar:

É um mapeamento de territórios pesqueiros ameaçados por instalações de parques eólicos offshore (em alto-mar). As cartografias sociais são uma estratégia para materializar as áreas marinhas e costeiras usadas pelos pescadores e pescadoras. 

O projeto de cartografia coletiva, intitulado Dragão do Mar, abrange comunidades dos municípios de Galinhos, Guamaré, Ponta do Tubarão, Macau e na região de Dunas do Rosado, no Porto do Mangue. Foi realizado pelo  Coletivo de Assessoria Cirandas, com apoio do Fundo Casa Socioambiental e do Fundo Brasil.

O título do projeto é uma homenagem ao Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento, Canoa Quebrada, Aracati, 15/04/1839 – Fortaleza, 5/03/1914), líder pescador que lutou contra o tráfico de negros escravizados no Ceará. Salvaguardas

Cartografia em terra: Propostas de Unidades de Conservação para a região Central e Seridó

O Grupo Seridó Vivo, através de articulações que existem há mais de dois anos, apresenta três propostas para criação de unidades de conservação na região central do Rio Grande do Norte e Seridó Potiguar, em virtude de sua importância para a biodiversidade e para as populações humanas do passado e do presente: a) Área em Carnaúba dos Dantas; b) Encostas da Serra de Santana e; c) Serra do Feiticeiro.

A demanda por áreas protegidas vem sendo citada nas notas técnicas e denúncias que o grupo protocola nos mais diferentes setores do poder público instituído, questionando o licenciamento ambiental de megaempreendimentos para geração de energia eólica em áreas sensíveis da região, sobretudo de serras.

Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável:

Entre as salvaguardas propostas, o grupo sugere um conteúdo mínimo contratual para arrendamento, uma distância de pelo menos 2 quilômetros da torre eólica para edificações (hoje esse limite não existe) e a priorização de áreas degradadas para instalação de centrais de energia, a fim de evitar mais desmatamento. 

E ainda a realização de estudos da poluição sonora, incluindo os infrassons emitidos pelas torres eólicas. Os infrassons, inaudíveis aos seres humanos, são apontados como causadores de distúrbios do sono. Também solicita estudos dos efeitos da sombra dos aerogeradores, conhecido como efeito estroboscópico, igualmente apontado como prejudicial à saúde.

Durante o processo de elaboração do documento, representantes das comunidades participaram de três encontros presenciais, realizados em Salvador (BA) e no Recife (PE), promovidos pelo Plano Nordeste Potência, iniciativa resultante de uma coalizão de ONGs empenhadas em fazer com que transição energética, além de levar em consideração o meio ambiente, ocorra de forma socialmente justa e inclusiva.

PARTICIPANTES

Estão promovendo a ação no Rio Grande do Norte o Coletivo de Assessoria Cirandas, Seridó Vivo, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq),  Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Colônia de Pescadores de Galinhos, Colônia de Pescadores de Macau, Colônia de Pescadores de Enxu Queimado, Serviço de Assistência Rural e Urbano/Movimento dos Atingidos pelas Renováveis (SAR/MAR) e Plano Nordeste Potência.

O Rio Grande do Norte é o quinto Estado do Nordeste a receber o relatório Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável. O primeiro foi Alagoas, em 19 de fevereiro, às Secretarias do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos e  de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, além do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) e da representação local do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). 

O segundo foi Pernambuco, por meio da Secretaria de Meio Ambiente, de Sustentabilidade e de Fernando de Noronha e da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), em 27 de fevereiro. O terceiro foi o Ceará, em agenda de 4 a 7 de março, em agenda com órgãos do Governo Estadual, instituições de pesquisa e integrantes dos poderes legislativo e judiciário, e o quarto, a Bahia, dia 7 de março, com entrega a órgãos do Governo Estadual, instituições de pesquisa e integrantes dos poderes legislativo e judiciário

Acesse o documento:

https://nordestepotencia.org.br/wp-content/uploads/2024/02/Salvaguardas_Socioambientais_Renovaveis.pdf