UFRN – Pesquisa constata diminuição de 55 km² da caatinga arbustiva do Seridó

Em paisagem do município de Jardim de Piranhas, é possível observar o domínio da jurema preta e um reservatório artificial resistindo aos rigores do clima local – Foto: Saulo Vital

Muito em evidência em debates políticos atuais, a questão ambiental é uma preocupação da comunidade científica, de ativistas e empresários, tendo o Brasil como principal foco no momento. Com forte ênfase na Floresta Amazônica, o mundo olha com atenção e certa perplexidade os dados de crescentes desmatamentos e queimadas que ocorrem no chamado “pulmão do planeta”.

Esta, porém, não é uma particularidade da maior floresta tropical do mundo. Outras formações vegetais do país vêm passando por mudanças importantes ao longo das últimas décadas e são motivo de um estado de alerta. É o caso da caatinga na região Seridó do Rio Grande do Norte, estudada pelo Grupo de Pesquisa em Gerenciamento dos Riscos e Desastres Naturais (GENAT), do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres/UFRN). 

Em artigo publicado na Revista Okara – Geografia em debate, do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pesquisadores do grupo constataram aumento de aproximadamente 96 km² na exposição do solo e diminuição de 55 km² da caatinga arbustiva-herbácea no município de Jardim de Piranhas. As medições foram feitas com base no satélite Landsat, reunindo dados de 1985 a 2015. 

Intitulado Índice de Transformação Antrópica (ITA) como suporte para análise da degradação da paisagem no município de Jardim de Piranhas/RN, o estudo revela um estágio avançado de devastação do Seridó potiguar. Os dados indicam que essas áreas, antes ocupadas basicamente por pastagens, tornaram-se inutilizáveis com o passar dos anos e a ação humana, chamada de antrópica no texto. 

No estudo são apontadas atividades humanas que têm contribuído para degradação da região e geração de efeitos que ameaçam a biodiversidade. O crescimento das cidades, a ocupação de grandes áreas de matas, especialmente  por  agricultura e pecuária extensiva, e práticas agrícolas inadequadas, que provocam erosão do solo, contaminação por agrotóxicos, poluição e queimadas após os desmatamentos, são algumas delas.

De acordo com o professor do Ceres/UFRN, Saulo Vital, um dos autores do estudo, o processo de degradação da paisagem na região tem explicação no ciclo do algodão. Com forte presença no Seridó, a cultura do algodoeira ainda estava no seu apogeu na década de 1980 e foi a atividade que causou maior nível de desgaste do solo ao longo da área estudada.

Em uma escala que varia de 1 a 10, o resultado geral foi de 9,66 – Reprodução 

“A cultura algodoeira foi responsável pela devastação de muitas áreas do Seridó. Hoje há bioindicadores na paisagem, como a Jurema Preta, de que há uma readaptação ecológica, uma vez que essa espécie é um indicador de degradação, pois ela sinaliza essa atividade predatória, que não é mais pautada no algodão, mas na ocupação urbana e na agricultura, especialmente a policultura, baseada em técnicas rudimentares”, comenta o professor.

Além de alterar a paisagem, a ocupação desordenada e o uso predatório do terreno alimenta outro problema recorrente e já quase crônico em determinadas regiões mais áridas do país: a seca. A agricultura, explica o professor, vem ocupando margens e, a depender da época do ano, leitos de rios por não conseguir mais extrair de certas faixas de terra o que precisa para a atividade.

“Porque parcelas do relevo já foram degradadas, já não há mais capacidade de gerar aquilo que a agricultura pretende tirar daquele solo, que no semiárido já é raso e pedregoso. Qual a grande consequência disso? Aumento da erosão, da deposição e o assoreamento dos rios e reservatórios. Por isso temos tantos problemas em relação a recursos hídricos”, afirma Saulo Vital. 

Base do estudo, o município de Jardim de Piranhas tem particular importância por receber o rio Piranha/Açu e uma unidade de captação que distribui água para todas as cidades do Seridó. O professor Saulo afirma que o problema que ocorre ali, a partir das imagens analisadas, certamente é reproduzido em todo a região do Seridó, indicando um alto nível de degradação.

Segundo o Índice de Transformação Antrópica (ITA), ao longo dos 30 anos de estudo, a região avaliada passou de “uma paisagem pouco degradada em 1984 para um estado regular de degradação em 2015”. Todas as classes de cobertura das terras de Jardim de Piranhas apresentaram perdas, com destaque para a caatinga rala, que ocupava cerca de 60% na primeira medição, mas apenas 44% na mais recente. 

Somados todos os dados, o ITA desvela uma configuração de interferência preocupante da atividade humana. Em uma escala que varia de 1 a 10, o resultado geral foi de 9,66, apresentando-se uma área altamente modificada. Diante disso, são necessárias intervenções que permitam transformar essa situação, com iniciativas pensadas a partir de diagnósticos científicos.

“Existem métodos que podem ser feitos por reconstituição pedológica dessas áreas, seguida por um replantio de espécies da região, nativas, em parcerias multidisciplinares, com uso de geografia, engenharia florestal, biologia. Ou seja, isso passa também por ações de reequilíbrio do ambiente, com inserção de fauna específica e restauração das matas ciliares”, analisa o professor Saulo.

Outra medida sugerida pelo estudioso perpassa por uma ocupação mais racional da região. Saulo Vital afirma que geógrafos têm muito a contribuir nesse aspecto, uma vez que é parte da especialidade desses profissionais. Ele reforça a importância de duas etapas: recuperação das áreas agredidas e planejamento e ordenamento ambiental e territorial.

Pesquisa constata que todas as classes de cobertura das terras de Jardim de Piranhas apresentaram perdas – Foto: Cícero Oliveira.

“Considerando que as cidades do Seridó têm uma malha urbana pequena diante da área total do município, ainda há como acertar nessa expansão, mas isso passa por um planejamento ambiental e territorial. O geógrafo tem capacidade para fazer isso a partir da análise da ocupação do solo, do zoneamento ecológico-econômico, que vai dizer, por exemplo, onde se pode desenvolver o uso para fins comerciais, industriais, residenciais, turísticos, rurais e de preservação, delimitando áreas que podem ou não podem ser ocupadas”, conclui.

Também assinam o artigo o geógrafo João Maria Gomes Sobrinho, a professora do Departamento de Geografia do Ceres, Sara Fernandes de Souza, e o professor da Universidade do Estado da Paraíba (UEPB), Caio Lima dos Santos.